Prof. Pedro Mello: Milton Friedman e a “insensibilidade aos pobres”
O professor pesquisador da STRONG ESAGS, Pedro Carvalho de Mello, redigiu um artigo refletindo sobre a suposta “insensibilidade aos pobres” que alguns críticos apontam ao pensamento liberal do economista Milton Friedman.
Milton Friedman, liberal “insensível” aos pobres?
Pedro Carvalho de Mello
Professor da ESAGS
Introdução
No estágio atual da pandemia do covid-19, ficou muito presente em discussões políticas o tema de auxílio aos pobres. Nesse contexto, discute-se uma pretensa “insensibilidade aos pobres” por parte daqueles que se regem por princípios liberais na condução econômica do País.
Será que essa afirmação é verdadeira? Existe mesmo essa pretensa insensibilidade embutida no pensamento liberal?
Nada melhor do que revisitar o pensamento de Milton Friedman, um dos expoentes dessa linha de pensamento.
Como será visto ao longo desse artigo, e que pode causar surpresa a muitos, Friedman foi um dos precursores do pensamento moderno sobre o combate à pobreza, com foco em estímulos ao mérito e a ferramentas de formação. Inclusive, muitas das propostas apresentadas por políticos de esquerda no Brasil são réplicas modificadas de suas propostas, deixando de lado o “como pescar” e focalizando em “dar os peixes”.
Friedman não só pensou e falou sobre o tema, mas foi adiante. Desenhou programas, calculou sua viabilidade e agiu para influenciar presidentes Nixon e Reagan para implantar tais programas.
Veremos também que as propostas de Friedman fogem de manifestações populistas. Segundo ele, os bem intencionados defensores de medidas assistenciais aos pobres focalizam o resultado no curto prazo, sem se importar com as perguntas de mais longo prazo sobre como pagar pelas políticas assistenciais e como resolver o problema da pobreza. Essa seria a diferença principal entre populistas (foco no curto prazo e ganhos fáceis) e os liberais (foco no longo prazo e responsabilidade com resultados da alocação dos recursos).
Vai ser o tema desse artigo – as propostas de Friedman sobre uma agenda liberal, inclusive com propostas de renda mínima com base numa postura liberal e respeito às regras de mercado. Vamos mostrar primeiro um resumo da vida e obra de Friedman, suas principais ideias econômicas e de pensamento liberal, e concluir com a discussão do tema de renda para os pobres.
Para poder focalizar melhor a parte social do pensamento de Friedman, mas sem deixar de falar da sua magna contribuição para a teoria monetária, vamos apresentar essa última parte num anexo do artigo.
Vida, carreira e obras de Milton Friedman
Fotos:Milton Friedman e Rose Friedman e Keynes x Friedman
Um dos acontecimentos marcantes da vida desse autor foi ser aluno regular de Milton Friedman (e ter tirado nota B no seu curso, pois muito raramente dava nota A). Foi uma experiência impactante, vejam minhas impressões iniciais:
“Inverno rigoroso de Chicago em 1970, e naquele trimestre eu iria cursar Economics 331. Sendo aluno regular do Programa de Ph.D. em Economia na University of Chicago, e ainda no começo do programa, aguardava com ansiedade o início das aulas daquele curso. Afinal, teria aulas com o Prof. Milton Friedman. Economics 331 era o curso de economia monetária. Friedman era uma estrela naquela época, capa do Times e candidato a Prêmio Nobel de Economia (que recebeu em 1976). Éramos 40 alunos regulares, entre os quais Claudio Contador, atualmente meu colega como Professor da ESAGS. As aulas foram transferidas para o auditório da Business School, pois se inscreveram adicionais 160 como ouvintes (inclusive professores). Friedman era muito baixo – por volta de 1,52 m de altura – de postura ereta e com olhos penetrantes. Na hora de expor e discutir suas ideias, parecia um gigante! Era um ótimo professor. Argumentador terrível – uma vez que você entrasse nas premissas que ele criava, a partir daí seria derrotado por sua implacável lógica.”
Dois livros, na minha opinião, são a melhor fonte para entendermos a vida e a obra de Milton Friedman: Lanny Ebenstein, Milton Friedman, a Biography. New York: Palgrave MacMillan, 2007 e Milton and Rose D. Friedman, Two Lucky People: Memoirs. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1998.
Milton e Rose foram colegas de classe na University of Chicago, casaram e viveram juntos durante uma longa vida até suas mortes. Algumas obras foram escritas em conjunto.
Milton Friedman nasceu em 31 de julho de 1912, em Brooklin, New York. Morreu em 16 de novembro de 2006, em San Francisco, California.
Tanto no livro de Ebenstein, quanto na Biografia, vê-se que Friedman teve a matemática como seu primeiro interesse. Estudou matemática e economia na Rutgers University, se bachalerando em 1932. Daí, cursou o mestrado em economia na University of Chicago, onde conheceu Rose (1933). Finalmente, foi, alguns anos depois, cursar doutorado em economia na Columbia University (Ph.D. em 1946).
Com essa fundamentação quantitativa e econômica, e trabalhando durante a guerra em atividades de pesquisa para controlar preços e racionar bens de consumo, Friedman desenvolve, por alguns anos, grande interesse pela “função consumo”.
Isso vai servir para sua migração para o campo da economia, não só para a teoria de preços, quanto para o desenvolvimento da teoria monetária. Na sua longa carreira acadêmica, Friedman influenciou com suas ideias econômicas vários campos de pesquisa da economia.
Em 1935 mudou para Washington, D.C. para trabalhar num estudo de orçamentos de consumo para o Natural Resources Committee. Dois anos depois, Friedman foi trabalhar em New York no National Bureau of Economic Research, e juntou-se a Simon Kuznets num grande estudo sobre distribuição da renda e da riqueza.
Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, Friedman foi trabalhar no Department of the Treasury, na Division of Tax Research. Posteriormente, juntou-se ao Statistical Research Group at Columbia University. Nesse grupo, trabalhou na equipe voltada para aplicar a análise estatística aplicada para pesquisa de guerra.
Após um curto período como professor nas Universidades de Wisconsin e Minnesota, em 1946 aceitou uma posição no Economics Department at the University of Chicago. Ali ficou nos 30 anos seguintes, tornando-se full professor em 1948, nomeado “the Paul Snowden Russell Distinguished Service Professor of Economics “em 1962, e tornou-se “emeritus professor” em 1983.
Em Chicago, Friedman dava aulas nos cursos de “price theory” e “monetary economics”. Em 1953 Friedman criou o “Money and Banking Workshop”. Durante muitos anos funcionou como um importante forum para professores, alunos de doutorado escrevendo teses, e visiting schollars. O foco do Workshop era a economia monetária, e ficou muito famoso no cenário acadêmico norte americano.
Em suma, Friedman realizou pesquisas sobre a análise do consumo, a teoria e história monetária, bem como sobre a complexidade da política de estabilização. Sua obra mais importante, escrita com Ana Schwartz, foi sobre a história monetária do Estados Unidos.
Outro importante campo de atuação de Friedman foi na defesa dos princípios liberais, baseados em Adam Smith e Stuart Mill. Em 1947, participou do encontro de abertura da Mont Pèlerin Society, fundada por F.A. Hayek, dedicada ao estudo e preservação de sociedades livres. Defensor das doutrinas liberais, durante o resto de sua vida Friedman foi um verdadeiro ativista e defensor da liberdade de escolha. Teve forte participação no processo político, assessorando os presidentes Richard M. Nixon e Ronald Reagan em questões de políticas públicas.
Friedman deixa claro, na auto biografia, que sua atração pelos princípios liberais na economia não estava presente no início da sua carreira. Aos poucos foi se interessando, e após a Segunda Guerra Mundial é que ele ingressou verdadeiramente no ativismo liberal. Tornou-se um grande expoente, passou a escrever regularmente na revista Newsweek (altamente popular nas décadas de 1970 e 1980), e preparou a famosa série para TV, “Free to Choose” (publicada em livro).
A questão da Renda Básica no Brasil
O tema da desigualdade na distribuição de renda está sempre presente nas discussões sobre os destinos da sociedade brasileira. Muito embora hajam questionamentos sobre o uso da variável “renda” (pois existem sérios problemas de aferição da renda numa sociedade com grande percentual de informalidade e de falta de informação sobre os dados de rendimentos) ao invés de indicadores de bem estar (melhor capturados no indicador Índice de Desenvolvimento Humano- IDH), o fato é que o tema “má distribuição de renda” é que capturou as atenções.
Com a pandemia do covid-19 o governo brasileiro estabeleceu diversas políticas de isolamento social. Ficou claro que, do ponto de vista econômico, haveria um enorme impacto sobre a geração de renda e manutenção de empregos. As medidas afetaram principalmente os segmentos mais precários da sociedade. Os programas emergenciais de renda, ao tentar cadastrar os possíveis beneficiários, foram surpreendidos com números de pobreza (mais de 50 milhões de pessoas) bem maior do que supunham.
Como reportado pela Revista Veja,
“O problema da pobreza e da desigualdade de renda está se agravando no mundo, causado em grande parte pela pandemia do coronavírus. Segundo a Revista Veja (edição 2689, de 3 de junho de 2020), “…levantamento da ONU calcula em 265 milhões de pessoas que possam vir a passar fome em futuro próximo, mais do que o dobro de 2019” (p.63). Ainda segundo essa publicação, “outra providência que ganha força no mundo é a renda mínima básica garantida pelo governo a todo e qualquer cidadão. A distribuição de dinheiro e alimentos nesses moldes já está sendo feita em 108 países, em caráter temporário “(p.63)”.
Em 31/05/2020 o jornal Estado de São Paulo publicou que:
“Equipe econômica avalia programa de renda mínima. Sob pressão da Câmara, que propõe ampliar bolsa família, governo quer remanejar gastos tributários para abrir espaço no orçamento. O aumento da pobreza no País com a covid-19 e a necessidade de garantir uma porta de saída para quem recebe o auxílio emergencial de R$ 600,00 durante a pandemia colocaram a pauta social no centro da agenda político-econômica do País. Até então, a pauta estava focada nos ajustes das contas públicas, privatizações e reforma do estado”.
Desse modo, o tema renda básica virou prioritário. No começo, o Governo estabeleceu um prazo de três meses para conceder o auxílio. Começaram então pressões para que o programa, de transitório, passasse a permanente.
Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da SAIS/Johns Hopkins University, publicou no Jornal Estado de São Paulo (03/06/2020) um bem fundamentado artigo, intitulado “Renda Básica é Impagável ?”. Nesse artigo, ela argumenta que os programas de renda básica “permanente” estão ganhando adeptos mundo afora e que n o Brasil o debate sobre a renda básica ganhou fôlego.
A autora descreve as diversas iniciativas que pesquisam o alcance e custos de tal programa, mostrando que existem várias propostas alternativas. Evidentemente, existe um trade off entre o os potenciais efeitos sobre a redução da desigualdade e a sua viabilidade em termos do custo orçamentário. Outro trade off é manter o Bolsa Família e adicionar outros programas sociais, ou reunir tudo num programa único.
A autora conclui seu artigo de maneira otimista:
“O Brasil atravessa um momento único. Nele se abre uma fresta pela qual podemos finalmente emplacar um reforço às redes de proteção social que preencham as lacunas dos demais programas. São dezenas de milhões de pessoas que poderão ser beneficiadas. E tudo isso é perfeitamente pagável. E também impagável: seu valor para a sociedade é inestimável.”
Surgiram ponderações da equipe econômica sobre os custos e o impacto fiscal dessa mudança de planos, qual seria o destino do Programa Bolsa Família e como consolidar os programas sociais num só programa de renda básica. Como assinalado pelo Jornal Estado de São Paulo (em 31/05/2020),
“Transição da Bolsa Família para a Renda Mínima: Passar o auxílio de três meses de 600 para permanente no lugar de 200 da bolsa família. Ideia é implementar um programa na esteira do auxílio, com um período de transição e redução do valor pago a um montante considerado sustentável pelos cofres públicos. A bolsa família foi uma grande inovação, que já dura 15 anos, criou zona de conforto, mas precisa renovação. Para unificação de programas sociais o Governo vai precisar 265 bi/ano. O problema é como bancar a renda mínima. A proteção da bolsa família atinge hoje 20% da população, e o objetivo é dar renda mínima para 50% da população. Vai elevar o gasto com o programa de 0,4% para entre 1,0% e 1,5% do PIB. Um primeiro problema é a necessidade de reforma tributária e de revisão das regras fiscais, inclusive de tetos de gastos (que impede o crescimento das despesas acima da inflação)”.
A prudência mostrada pelo Ministério da Fazenda, justificada por quem é responsável por uma administração financeira com base em sólidos fundamentos macroeconômicos, foi interpretada como mostrando “insensibilidade aos pobres”. Ainda segundo as críticas, esse comportamento seria derivado da doutrina liberal.
Com efeito, o Ministro Paulo Guedes, numa entrevista ao Jornal Estado de São Paulo (17/05/2020) declarou que “legado liberal é principal desafio”. Segundo a matéria do jornal, “ele parece determinado a deixar um legado, ao implementar seu projeto liberal, com o controle de gastos do governo, a realização de reformas estruturantes, a privatização e a abertura econômica. Acredita que, com isso, lançará as bases que permitirão o crescimento sustentável do País”.
Qual seria o pensamento de Milton Friedman, expoente dessa “doutrina liberal”, que foi professor de Paulo Guedes na University of Chicago, sobre a questão de “insensibilidade aos pobres”?
Milton Friedman e a “insensibilidade social”
Conforme comentamos anteriormente, o pensamento liberal de Friedman sofreu transformações ao longo da sua vida. No começo, Friedman era muito menos liberal do que foi no fim da sua vida.
Nas décadas de 1930 a 1940, não se encontra em seus escritos muita preocupação com o tema. Foi durante as décadas de 1950 e 1960 que a preocupação de Friedman com questões da pobreza atingiu o auge. Na minha opinião, quando se deparou com questões empíricas de consumo, poupança e preços, e teve de trabalhar com orçamentos familiares.
Vamos discutir, com base nos livros que escreveu, principalmente o último (“Free to Choose”) o seu posicionamento na questão da pobreza.
No livro “Free to Choose”, Friedman expõe seu pensamento sobe o tema nos capítulos 4 e 5, e comenta as decepções que teve ao tentar implantar o programa de “imposto de renda negativo” nos governos de Richard Nixon e Ronald Reagan.
É importante assinalar que Friedman foi pioneiro no tema de renda mínima básica permanente. Ele tinha sérias reservas, que foram aumentando com o passar do tempo, sobre “incentivos errados”. Sua grande preocupação era com a burocracia para administrar os programas, e a falta de incentivos que criaria para os beneficiários de tais programas de conseguir gerar renda pelo esforço próprio.
Friedman argumentava que existiam diversos programas vigentes nos Estados Unidos que nunca deveriam ter sido criados. Ele propunha aboli-los, substituindo por um único programa, o “imposto de renda negativo”. Haveria um período de transição, mas o objetivo pretendido no final adotaria as seguintes linhas:
- Fortalecer a responsabilidade individual
- Terminar a divisão do país entre famílias pagantes de imposto de renda e outras fora do sistema de tributação direta
- Reduzir os gastos do governo
- Reduzir a burocracia
- Assegurar rede de proteção para todas as pessoas do país
Friedman achava utópico implantar tal programa, mas ele tentou criar o programa de imposto de renda negativo. Todos pagariam o imposto, e haveria uma “linha de corte” para a renda. Acima dessa linha, seria o imposto de renda positivo, e a pessoa pagaria imposto de renda. Abaixo da linha, seria o imposto de renda negativo, e a pessoa receberia dinheiro do governo. Evidentemente, seriam feitos rigorosos cálculos para determinar a linha de corte e cadastrar as pessoas pagadoras e recebedoras.
No desenho de Friedman, o programa tem dois componentes principais:
- Acabar com todos os programas sociais existentes, consolidando num único programa – o de imposto de renda negativo, coexistindo com o imposto de renda positivo
- Reformar o “sistema de Segurança Social”, estimulando uma progressiva transição para que as pessoas montem seus próprios esquemas de aposentadoria, sem necessidade do governo
As vantagens do “imposto de renda negativo” para o combate a pobreza, segundo Friedman, seriam:
- Daria aos recipientes a forma mais útil- dinheiro na sua conta
- Ficaria explícito que existe o custo pago pelos que recolhem o imposto de renda positivo
- Manter o subsídio num nível razoável, que minimize a tendência de “comportamento parasitário” de recipientes
- Dispensaria a necessidade de enorme burocracia de controle
- Reduziria evasão de impostos, já que todos teriam de declarar o imposto de renda
Comentários Finais
O grande tema de interrogação para Friedman, e que acabou por desanimá-lo nos últimos anos de sua vida, foi a viabilidade política. Os problemas políticos seriam principalmente:
- Existência de “vested interests” (interesses próprios) de vários grupos, incluindo burocratas, políticos e sobretudo os recipientes
- Conflitos sobre o alcance dos programas: nível dos benefícios (“decente”, “forte”, “razoável”, ?); grau que afeta os incentivos para as pessoas trabalharem para ganhar dinheiro; e o custo adicional para os que pagam impostos.
Friedman narra as dificuldades, de caráter político, que teve para levar adiante a proposta do “imposto de renda negativo”. Gastou muito tempo e esforço para fazer os cálculos e cenários alternativos em termos de valores e viabilidade, as propostas foram entregues tanto para os governos de Nixon quanto Reagan, mas as propostas esbarraram em problemas políticos e foram desfiguradas.
Segundo ele, devido á diferença entre os liberais, que vislumbram o longo prazo, e os políticos, que fazem cálculos populistas de curto prazo.
Finalmente, Friedman discute a questão de igualdade e liberdade. Buscar igualdade à força compromete a liberdade, e no longo prazo a sociedade perde.
Nas décadas seguintes, o foco de Friedman concentrou-se em questões da teoria monetária, e na divulgação de ideias liberais. Creio que a razão para o seu certo desencanto com as questões de renda e pobreza teve a ver com o dilema entre assistencialismo e formação de capacidade para gerar renda e não precisar de assistência.
O desenho desses programas, e principalmente a testagem na prática, é muito difícil e “consumidora de tempo”. Friedman teria de se dedicar intensivamente para essa tarefa, e teria de escolher entre alocar aí o seu tempo ou nas outras atividades. Sem abandonar suas preocupações, no entanto parou de propor novos programas de renda.
ANEXO
Suas contribuições para o pensamento macroeconômico e a teoria monetária foram numerosas e importantes. Vamos destacar algumas obras, e fazer breves comentários:
1 – No livro A Theory of the Consumption Function (1957), Friedman desenvolve a “hipótese da renda permanente”. Nessa hipótese, ele faz um importante contraponto com a medição usual da função consumo, que se baseava em dados correntes. Friedman advoga que se a famílias não percebem que sua renda permanente não está mudando, elas não irão modificar seus padrões habituais de consumo.
Com base nessa nova maneira de examinar o consumo, Friedman mostra que as decisões de consumo e poupança feitas pelas famílias são muito mais afetadas por mudanças na sua renda permanente do que as mudanças de renda que os membros da família interpretam como sendo transitórias e temporárias.
Havia na literatura keynesiana uma certa perplexidade, com base em estudos empíricos, em explicar o relacionamento entre a propensão média para o consumo e a propensão marginal para o consumo (tema que será visto em outro capítulo adiante). A hipótese da renda permanente dá uma explicação para essa importante questão. A mesma hipótese foi utilizada para aperfeiçoar diversos instrumentos de políticas públicas, tais como a reforma fiscal.
2 – O livro A Monetary History of the United States, 1867–1960, em co-autoria com Anna J. Schwartz, foi publicado em 1963. É um clássico da literatura de história econômica e teoria monetária.
O trabalho combina análise teórica e enfoque institucional, com base num minucioso estudo empírico. Seu objetivo foi mostrar em detalhes o papel da moeda na economia norte americana, no período de quase 100 anos após a Guerra Civil.
Friedman quiz responder a Keynes que “a moeda é importante”. Ademais, os autores analisam a condução da política monetária nos Estados Unidos e, num capítulo que ficou famoso (e que veremos adiante ao examinar as crises financeiras) em que advogam que a Grande Depressão foi prolongada e agravada por erros de política monetária restringindo a oferta de moeda.
3 – Alguns economistas se referem a Friedman como sendo o “pai do monetarismo”. Isso porque as principais contribuições de Friedman foram na área da economia monetária. Até meados de 1960 o pensamento de Keynes preponderava nos meios acadêmicos e de políticas econômicas. Nessa visão, “moeda não tinha importância”, e a política fiscal seria o meio efetivo de lidar com os ciclos de negócios, como por exemplo a recessão. Friedman, em contraposição, advogava que a teoria monetária seria uma melhor explicação teórica, e que as mudanças na oferta de moeda afetariam a atividade econômica (em termos reais) e o nível de preços no longo prazo. Esse posicionamento foi mostrado no livro Studies in the Quantity of Money (1956), e em outros artigos que se seguiram (por exemplo, “The Relative Stability of Monetary Velocity and the Investment Multiplier in the United States, 1897–1958” (1963), em co-autoria com David Meiselman.
Nesse artigo, os autores questionam a estabilidade e a importância do multiplicador keynesiano. Como veremos em outros capítulos, o multiplicador estabelece um vínculo entre as mudanças nos gastos autônomos e as subsequentes mudanças na renda nacional. O multiplicador keynesiano desempenha um papel chave para dar suporte para adoção de uma política fiscal efetiva e previsível.
4 – Outra contribuição seminal de Friedman foi mostrar que a “Curva de Phillips” não tinha validade. Isso foi feito no trabalho que apresentou em 1967, ao tomar posse na presidência da American Economic Association.
A Curva de Phillips era usada pelos keynesianos para mostrar que havia um trade-off estável entre aumento da taxa de inflação (crescimento dos salários) e diminuição da taxa de desemprego. Friedman argumentou que o trade-off era temporário e dependeria de uma ilusão que enganaria os trabalhadores. Isso seria temporário e sem sustentação, pois os trabalhadores veriam – devido a uma “antecipação de expectativa” da inflação de salários – que os salários reais iriam cair e não se deixariam enganar para aumentar a produção.
Segundo Friedman, existe uma “taxa natural de desemprego”, e que não se pode, no longo prazo, reduzir o desemprego, a não ser via uma taxa de inflação cada vez mais acelerada. O fenômeno “estagflação” de certa maneira confirma a tese de Friedman, e a difusão e aceitação do seu pensamento marcou o fim da dominância do modelo keynesiano na macroeconomia.
- Medalha John Bates Clark (1951) · Medalha Nacional de Ciências – Ciência do Comportamento e Social (1988)
Referências
Jürg Niehans, A History of Economic Theory. Classical Contributions, 120-1980. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1990
Lanny Ebenstein, Milton Friedman, a Biography. New York: Palgrave MacMillan, 2007
Milton and Rose D. Friedman, Two Lucky People: Memoirs. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1998
Milton and Rose Friedman, Free to Choose: A Personal Statement. London: Penguin Books, 1980
Milton Friedman, Money Mischief. Episodes in Monetary History. San Diego: a Harvest book, Harcourt Brace & Company, 1994.
Milton Friedman(ed.), Studies in the Quantity Theory of Money. Chicago: University of Chicago Press, 1956.
Milton Friedman, The Optimum Quantity of Money and Other Essays. Chicago: Aldine, 1966.
Milton Friedman and Anna J. Schwartz, The great contraction, 1929-1933. Princeton: Princeton University Press, 2007 (first ed.,1963).